quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

AINDA GUIDAJE... REPOSIÇÃO DA HISTÓRIA !


Em Novembro de 2010 realizou-se no Grande Auditório do Aquartelamento da Academia Militar (Amadora), o lançamento do livro “A Última Missão”, da autoria do Cor. José de Moura Calheiros.

Trata-se de uma obra marcante e bem documentada sobre a última guerra que Portugal travou em África no século XX.
Pouco tempo depois da cerimónia de lançamento e após leitura do livro, no que respeita à operação realizada em 23 de Maio de 1973 que visava romper o cerco a Guidaje e reforço da sua guarnição, foi detectada uma “incorrecção” na descrição do avanço da força que procedia à “protecção próxima” da coluna de reabastecimento saída de Binta, constituída por elementos dos DFE’s 1 e 4, por mim comandados.
Tal “incorrecção” consiste na frase constante da página 471/472 (1ª Edição): “... O Comandante do DFE 4 estava muito próximo do local do rebentamento e foi projectado para longe pela violência da explosão. Foi, a partir daí, substituído pelo seu Imediato, 2º Ten Melo e Sousa.”
Ora em boa verdade, em momento algum o Comando do DFE 4 deixou de ser por mim exercido, desconhecendo-se a razão de tal inexactidão. Também os Eng. Pires de Moura e Dr. Corte Real (ex-oficiais do DFE 4) tiveram a oportunidade de me alertarem para tal erro.
Assim, passadas algumas semanas após o lançamento do livro, tive a oportunidade de me reunir com o seu autor Cor. José de Moura Calheiros e de lhe transmitir não só o meu muito apreço pela obra que levou a cabo, mas também de lhe referir a “incorrecção” atrás referida.
Encontrei receptividade por parte do autor para vir a ser reposta a verdade numa próxima e eventual 2ª edição do livro. E, nesse sentido, escreveu uma mensagem de profunda amizade e camaradagem no livro que adquiri e que a seguir transcrevo:



“ Para o Alves de Jesus

Para que possa recordar aqueles difíceis tempos da guerra da Guiné, em especial o cerco a Guidaje.
Com o perene lamento pela imprecisão quanto à transmissão do comando do DFE 4 na coluna de socorro a Guidaje, que corrigirei em próxima edição.
Com um abraço
a) José de Moura Calheiros

A obra do Cor. Moura Calheiros, pelo seu elevado mérito e aceitação, foi objecto de 2ª edição, pelo que em novo encontro que tivemos e por si promovido, teve a amabilidade de me oferecer um exemplar com a mensagem que a seguir transcrevo e que testemunha o seu carácter e estatura moral:

“ Para o Camarada e Amigo Alves de Jesus

Com as minhas desculpas pelo erro na 1ª Edição.
E para que possa recordar, agora descrita de forma correcta, aquelas amargas horas a caminho de Guidaje, onde o seu DFE 4 teve papel relevante.
Com um abraço
a) José de Moura Calheiros

Fica assim esclarecido pelos protagonistas, este episódio da guerra colonial na Guiné, decorridos que são cerca de 40 anos.

Alves de Jesus

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Recebido, via correio electrónico, do CAP. FRAG. FZ REF. ABEL MELO E SOUSA



Distintos Camaradas do Blogue do DFE 4
Tomei conhecimento da existência do Blogue do DFE 4 Guiné (73-74) e aproveito para deixar o meu depoimento sobre uma operação de escolta de Binta para Guidage em 23 de Maio de 1973, em que espero esclarecer algumas dúvidas e realçar a valente e destemida atitude do Comandante da força de fuzileiros dessa operação, o 1º TEN AN FZE Albano Manuel Alves de Jesus, que nunca vi escrito em nenhum lugar.
1º Em Maio de 1973 uma força de cerca 40 fuzileiros do DFE1 e DFE4, comandada pelo 1TEN AN Alves de Jesus, sai de Binta na direcção de Guidage em protecção próxima a uma coluna do Exército; em protecção afastada seguia a Companhia de Pára-quedistas nº 121, comandada pelo CAP Almeida Martins:
2º A meio do percurso a coluna entra numa zona de minas anti-carro, provocando a morte de dois picadores do Exército, o que fez com que estes se recusassem a continuar a picagem;
3º Entrou-se, então, num impasse porque sem picagem a coluna não podia prosseguir. Numa atitude inédita e de grande coragem, o 1TEN Alves de Jesus desloca-se à zona de picagem e pega numa das picas e incentiva os picadores, dando ele próprio o exemplo;
4º Decorrido menos de um minuto ouviu-se de novo uma grande explosão. Confesso que pensei o pior e chamei o 1º SAR FZE Reis (excelente combatente e especialista em minas e armadilhas) e penetrámos na nuvem de poeira causada pela explosão:
5º Um dos picadores morreu ao fazer a picagem e o 1º TEN Alves de Jesus, que seguia muito perto, foi projectado pelo ar sem ferimentos visíveis, mas ficando muito maltratado e com a audição afectada;
6º Ao mesmo tempo, juntou-se ainda o ferimento grave do 1º GRT FZE Óscar Santos, que accionou uma mina, ficando sem um pé e sem uma das vistas;
7º Havia que regressar a Binta, pois os Fuzileiros tinham um ferido grave que não podia seguir para Guidage, dado naquele período estarem suspensas as evacuações aéreas;
8º É nesta altura que eu falo com o avião que efectuava o PTV (onde se encontrava o MAJ Moura Calheiros, oficial de grande prestígio que o meu Destacamento já conhecia do COP4 na zona do Cantanhês, no Sul), e que fazia o «relais» das transmissões do comando do COP3 que se encontrava em Guidage, dado o 1º TEN Alves de Jesus estar com a audição temporariamente afectada;
9º O TCOR CAV Correia de Campos (Comandante do COP3) ordena então, através do MAJ Calheiros, o regresso da coluna a Binta.
Abel Melo e Sousa (Bellini)(Ex Imediato do DFE1)

quarta-feira, 13 de junho de 2012

XIX ENCONTRO NACIONAL DE COMBATENTES - 10 de Junho de 2012


PALAVRAS DO PROFESSOR DOUTOR MANUEL ANTUNES DURANTE O XIX ENCONTRO NACIONAL DE HOMENAGEM AOS COMBATENTES

Estimados Combatentes,
Quero agradecer-vos a suprema honra de poder estar, aqui e hoje, convosco. Não me reconheço os dotes que presumivelmente estiveram na origem do convite que me foi feito pela Comissão Executiva deste Encontro e que outros, em anos anteriores, evidenciaram. No entanto, as palavras deste ilustre desconhecido que está perante vós, que não serão um modelo de retórica, são certamente sentidas. Como escreveu o poeta,

Mas eu que falo, humilde, baxo e rudo,
De vós não conhecido nem sonhado?
Da boca dos pequenos sei, contudo,
Que o louvor sai às vezes acabado.


No 10 de Junho, celebramos o Dia de Portugal, Dia de Camões, o poeta da nossa epopeia ultramarina. Estamos todos aqui, neste local histórico, à sombra da Torre de Belém, que simboliza os descobrimentos portugueses, para celebrar Portugal e honrar os seus combatentes, os seus heróis.

Homenageamos os que combateram na guerra do Ultramar, a mais recente e que ainda está bem viva na memória de muitos, e em que pereceram quase nove mil portugueses europeus e africanos, cujos nomes estão para sempre gravados neste monumento. Tal como os navegadores de antanho, muitos destes deixaram as suas terras para defender a Pátria em terras longínquas, que a maior parte até desconhecia.

Homenageamos todos os outros que deram a vida pela Pátria ao longo da sua história, neste rol incluindo aqueles que, mais recentemente, o fizeram em missões de paz em que, como cidadãos do mundo, estivemos e continuamos a estar envolvidos em várias partes do planeta.

Todos merecem o nosso mais profundo reconhecimento. “Ditosa Pátria que tais filhos tem”. Não tenhamos medo desta frase, como não devemos ter medo de afirmar, como Vasco da Gama, “Ditosa Pátria minha amada”. Porque estes Homens só morrem quando a Pátria se esquece deles. E porque não nos esquecemos deles, aqui viemos hoje.

Mas não recordamos apenas os que perderam a sua vida na guerra, homenageamos também um enorme número de combatentes ainda vivos, a merecer reconhecimento, e de que há muitos, ainda, a sofrer as consequências de uma guerra por Portugal, com referência especial para os mais de 15.000 deficientes do ultramar. Os Portugueses homenageiam-vos a todos vós que aqui estais e os vossos camaradas que aqui não puderam vir.

É claro que há por aí quem não goste do que aqui estamos a fazer. Mas como disse, há pouco mais de um ano, o Senhor Presidente da República, por ocasião do 50º Aniversário do início da guerra em África, “…hoje aqui não homenageamos uma época, um regime ou uma guerra. Trata-se, simplesmente, de uma homenagem da Pátria àqueles que se encontram entre os seus melhores servidores”.

Ainda que algo se tenha progredido nos últimos anos, lamento a forma como os Antigos Combatentes da Guerra de Ultramar foram, e continuam a ser desconsiderados, mesmo maltratados, o que evidencia um triste retrato de Portugal.

Um retrato que se começa a fazer na escola. Escola de onde entretanto desapareceu o culto da Pátria, da bandeira, do hino. Escola onde, quase 4 décadas depois, ainda se escamoteia e até se deturpa uma parte importante da nossa história, mas a que a história um dia fará justiça.

Como também disse o nosso Presidente, “é importante transmitir às gerações mais novas, o testemunho de quem enfrentou a adversidade ombro a ombro com aqueles a quem confiava a vida e por quem a daria também; o testemunho de quem conhece a relevância de valores como a solidariedade, o profissionalismo, o mérito e a honra, a família e o País”.

De um Antigo Combatente li que, “só assim se pode incutir nos mais novos o sentimento de que pertencem a uma nação, com as suas vitórias e as suas derrotas, os seus momentos de glória e os seus períodos de desânimo. Não se pode compreender um país se não se conhecer o seu passado, com tudo o que teve de bom e de menos bom”.

Homenageamos hoje, pois, a entrega e o espírito de missão dos nossos combatentes, com o coração e a alma cheios de orgulho no que fizeram. Em combate e fora dele. Na integração com as populações locais, sem precedentes noutras guerras e entre outros povos, e que é amplamente reconhecida pelos próprios cidadãos desses hoje países independentes.

Estamos, nestes tempos, a virar a página. As nossas ligações com África são hoje mais fortes que nunca. A promoção da lusofonia africana, que nos pode ajudar a libertarmo-nos de alguns dos nossos problemas, é agora um dos nossos desígnios. A vossa luta também ajudou a criar um ambiente propício para este diálogo. Afinal, a história está, uma vez mais, a reescrever-se e a reencontrar-se consigo própria.

Nestes dias, o País atravessa, novamente, uma situação difícil. Todos nós sofremos as suas consequências. Contudo, comparados com as vicissitudes desse tempo, os problemas que o País enfrenta hoje até parecerão menores. Se os conseguimos resolver então, certamente os resolveremos hoje.

Caros combatentes,

Permitam-me, finalmente, que aproveite a minha presença aqui para destacar o pessoal da saúde das nossas Forças Armadas, médicos, enfermeiros, técnicos e outros que deram apoio médico-sanitário nos teatros de operações ultramarinos. Como médico, não podia deixar de aqui prestar homenagem a todos aqueles que, na frente de combate ou na retaguarda, resgataram da morte as vossas vidas. Alguns pagaram também com a própria vida essa sua dedicação à causa.

Mas não foi apenas na guerra que se destacaram. Eles ajudaram a estabelecer uma rede de centros de saúde de que resultou uma cobertura médico-sanitária efectiva onde antes não existia nada. As populações desses territórios foram os beneficiários directos dessa actuação e ainda hoje o recordam. Sou testemunha disso, como sou testemunha dessa actividade, porque por lá vivia então. Convivi com alguns, aprendi com alguns. É necessário não esquecer que 40% do orçamento das Forças Armadas no ultramar era dedicado à acção social. Também desta forma se contribuiu para a construção do futuro.
Queridos combatentes,

Termino, como comecei, citando Camões:

Em vós esperam ver-se renovada
Sua memória e obras valerosas;
E lá vos tem lugar, no fim da idade,
No templo da suprema Eternidade.


Os Portugueses não vos esquecem. Os Portugueses não esquecem o que vos devem.

Viva Portugal !

10 de Junho de 2012

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Recebido, via correio electrónico, do Almirante Francisco Vidal Abreu, EX-CHEFE DO ESTADO-MAIOR DA ARMADA



“O Destacamento de Fuzileiros Especiaias nº 4 (1973/74) teve por Comandante o 1º Tenente Alves de Jesus, meu camarada de curso na Escola Naval.
Conhecendo-o bem como o conheço, estou certo que o DFE-4 teve, nesse período, um bom Comandante, que sabia liderar e conduzir os seus homens pelo exemplo, bem como proteger e defender os seus subordinados com a amizade de um “Pai” que também sabe ser um “Irmão”.


A prova disso está no elevado número de ex-militares e famílias que não faltam
aos encontros anuais, sempre bons momentos para recordar tempos difíceis. 

Mas são exactamente esses tempos difíceis que servem para testar os homens e fazer ressaltar a sua fibra e o seu carácter. 

Ao tomar conhecimento de mais esta iniciativa – o blogue do DFE -4, que vai permitir alargar o são convívio já existente, e sem dúvida mais um dos seus actos de generosidade cuja qualidade me tocou, resta-me desejar toda a sorte que bem merecem todos os Fuzileiros que serviram Portugal no difícil teatro operacional da Guiné”.

Oeiras, 29 de Maio de 2012.

Francisco Vidal Abreu, Almirante.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

O INIMIGO SEM ROSTO


A partir de meados do séc. XIX, o recurso a “campos minados” constituiu um meio de combate em quase todos os conflitos entre os povos.

Mais de 400 milhões de minas foram implantadas desde o início da II Guerra Mundial, afectando várias regiões. 



A cada 20 minutos, em algum lugar do mundo, explode uma mina terrestre e fere pelo menos uma pessoa. As minas têm um efeito devastador no moral dos combatentes, caracterizam-se por serem o “inimigo invisível ou o inimigo sem rosto”, não distinguem entre opositores armados e civis inocentes. Quando não matam provocam a agonia dos atingidos... são concebidas essencialmente para limitar a acção e o avanço do inimigo.

Foram as minas que fizeram abortar a “missão” de que trata o presente texto.
Segundo alguns estudiosos, em Maio de 1973, em Guidaje (Guiné), as forças armadas portuguesas foram submetidas à prova mais dura dos três teatros de operações da guerra colonial.

Guidaje chegou a estar isolada durante alguns dias devido ao uso intenso, prolongado e sem restrições, por parte do PAIGC, de armamento pesado de longo alcance e elevado poder de fogo, designadamente foguetões de 122mm e morteiros. Esta actividade do PAIGC alcançou valores que são considerados os mais altos de sempre desde o início da guerra – 220 acções durante o mês, o mesmo sucedendo em relação a baixas causadas às tropas portuguesas – 63 mortos e 269 feridos.

O Destacamento de Fuzileiros Especiais nº 4 (DFE 4), que tive a honra de comandar, em missão de serviço na Guiné (1973/74) foi protagonista conjuntamente com elementos do DFE 1, em Maio de 1973, de uma acção (sem apoio aéreo e sem possibilidade de evacuação) de proteção próxima a uma coluna de reabastecimento do Exército a Guidaje e cujo desfecho pretendo partilhar convosco.

Para o efeito, passo a transcrever o texto, em tempos, solicitado por um nosso camarada, que também viveu a guerra naquele teatro de operações, destinado a divulgação num “blog”:

Caro amigo
Respondendo ao teu e-mail…

A minha passagem pela Guiné (1973/74) comandando o DFE 4 foi uma etapa da minha carreira militar bastante marcante e indelével. As diversas situações de perigo por que passámos jamais serão esquecidas, muito embora compreenda que quem as protagonizou, as tenha vivido de modos muito diferentes, uma vez que são emoções que variam conforme a sensibilidade de cada um.

Segundo a opinião de conceituados especialistas militares, a guerra levada a cabo na Guiné, pelas suas características, foi a mais difícil e perigosa que Portugal enfrentou em África.

Nós, os que escolhemos, por vocação, a carreira das armas, não nos podemos queixar face aos milhares de cidadãos que partiram compulsivamente para combater nas ex-colónias.

Reflectindo sobre a minha vida militar e pelos diversos cargos que ao longo da mesma fui chamado a desempenhar, confesso que o Comando do DFE 4 foi, de longe, o que mais me marcou.

Senti, de modo inequívoco, o peso da responsabilidade nas decisões a tomar e a noção das consequências que estas poderiam ter sobre a vida dos comandados.

Senti a aproximação, que presumo única, entre comandante e subordinado, alicerçada na camaradagem e na solidariedade; todos sofrem as mesmas carências e estão sujeitos a idêntico esforço físico perante o perigo comum.
Ao chefe acresce a decisão.
A acção responsável de comando, neste contexto, resulta naturalmente mais eficaz, melhor compreendida e respeitada pelos subordinados.

Sobre o que me solicitas, vou limitar-me a transcrever a parte do livro “Guiné 1968 e 1973” (pág. 82/84) do Cor. Nuno Mira Vaz com a qual me identifico, já que tive intervenção directa na tentativa do rompimento do cerco a Guidaje:

“ … Na manhã de 22 de Maio partiu de Binta para Guidaje nova coluna logística, com a missão de, na volta, evacuar os militares e os civis feridos que ali tinham vindo a acumular-se por impossibilidade de evacuação. O deslocamento dos feridos parecia finalmente possível, face aos resultados alcançados no decurso da operação Ametista Real, a qual, de acordo com prognósticos generalizados, teria provocado uma grande desorientação nas fileiras do inimigo. Conforme planeado, a CCP 121 encarregava-se da proteção próxima, a oeste da estrada Binta – Guidaje, cabendo a um Destacamento Misto de Fuzileiros (quarenta e dois elementos dos DFE´s nº 1 e nº 4), sob o comando do 1º tenente AN/FZE Albano Alves de Jesus, a protecção imediata, a leste. A responsabilidade pela picagem do troço de itinerário entre Binta e Genicó foi atribuída a um grupo de combate da Companhia de Caçadores nº 14, da guarnição de Farim; daí para a frente, a missão ficaria a cargo de um pelotão reduzido (treze elementos) da Companhia de Caçadores nº 3.

O deslocamento iniciou-se pelas sete horas e trinta minutos, tendo-se desenrolado sem incidentes até Genicó, embora em marcha lenta, justificada pela necessidade de se proceder a uma picagem cuidadosa do itinerário. Além disso, foi também necessário utilizar um desvio com cerca de mil metros de extensão, para contornar o local onde se encontravam completamente destruídas e calcinadas várias viaturas, testemunhas silenciosas da violência registada em anteriores tentativas de reabastecimento a Guidaje.

Transposto o desvio e percorridos menos de cem metros sobre o itinerário normal, um elemento da Companhia de Caçadores nº 3 accionou uma mina anti-pessoal, reforçada com uma mina anti-carro, que lhe causou morte imediata. A relutância com que os picadores vinham procedendo à picagem do itinerário, e que tem de se compreender face à sucessão de acontecimentos dramáticos ocorridos nas últimas semanas, tornou-se mais viva, forçando o 1º tenente Alves de Jesus e o Alferes Gomes Rebelo, da Companhia nº 3, a deslocarem-se para a testa da coluna, onde podiam acompanhar de perto a picagem – um dos trabalhos mais perigosos e desgastantes em qualquer acção terrestre.

Dez metros adiante, foi accionada outra mina. A explosão provocou a morte do picador, tendo além disso ferido com gravidade dois elementos e projectado pelo ar, embora sem consequências pessoais, ambos os oficiais e o radiotelegrafista da coluna.

Informado, em Guidaje, da ocorrência, o Tenente-coronel Correia de Campos deu instruções para que se retomasse a progressão logo que estivesse concluída a assistência aos feridos, se possível com maior celeridade e de preferência utilizando um desvio, uma vez que o itinerário normal aparentava estar abundantemente minado. Porém, no decurso do tratamento dos feridos, deflagrou nova mina, desta feita colocada fora do itinerário, que provocou mais um ferido muito grave. Durante o atendimento a este ferido, foi detectada mais uma mina na orla do itinerário, a qual não foi levantada por não existir na coluna pessoal habilitado para o efeito.
Atendendo ao desgaste sofrido pela coluna, foi decidido reforçá-la com um grupo de combate que saiu de Genicó e se lhe juntou cerca das 12H00. A disposição geral era de grande desalento, sendo especialmente preocupante a situação de um dos feridos, o qual perdia muito sangue por ter a perna esquerda decepada um pouco abaixo do joelho, além de ferimentos nos braços e no olho direito. Tendo reavaliado a situação, o comandante do COP 3 deu ordem para abortar o reabastecimento, pelo que a coluna regressou ao ponto de partida, que atingiu cerca das 17H45…”

O ferido muito grave atrás referido, com a perna decepada, após ter sido assistido em Bissau, foi evacuado para Lisboa para tratamento especializado e colocação de prótese. Voltei a encontrá-lo alguns anos mais tarde no Rossio (Lisboa). Já ia na 3ª prótese de adaptação e desempenhava actividade profissional num armazém.

Há situações na nossa vida que jamais se esquecem. Escrevo este texto como testemunho de uma época, ou melhor de um dia-a-dia sem espaço para a felicidade, que passei - que passámos - nessa comissão na Guiné. Ingrato seria não recordar quem me ajudou em momentos difíceis, nomeadamente os camaradas de curso Martins Soares (infelizmente já falecido), Vasco Lupi e Cortes Simões (Comandantes de LFG’s), os quais, excedendo o âmbito de missões que lhes estavam atribuídas, me prestaram um apoio sempre solidário e amigo. A eles presto sentida homenagem e manifesto agradecimentos sinceros.
Albano Alves de Jesus

sexta-feira, 25 de maio de 2012

CHISSOIA


(Relato verídico extraído do livro "Kinda", de Carlos Acabado, da colecção "Fim do Império" Nº3)

Quando a luz difusa que anuncia o amanhecer tropical começou a dar cor ao casario da cidade , havia já na marginal um movimento desusado. Ao fundo da avenida, frente ao porto, a praça fora engalanada com bandeiras e a tribuna erguida na véspera, recheada de cadeirões forrados a veludo vermelho, aguardava, imponente, a chegada das individualidades. Comemorava-se o dez de Junho e Portugal, de Camões e da raça, e os heróis iam ser solenemente exaltados.

Do alto do pedestal a estátua do navegador, erguida no centro do largo, olhava a baía a que os raios do sol nascente douravam já as águas tranquilas, como se aguardasse ainda a chegada das naus, deslizando suaves e silenciosas, como cisnes negros de asas brancas.

Nesse tempo, a população descia dos morros e barrocas sobranceiras á zona ribeirinha, esperando que os nautas varassem os botes na praia para o encontro dos mundos que "o mar já unia". Agora, a baía, que se recorta como um sensual dorso de mulher, foi pudicamente coberta com o manto verde das palmeiras da marginal, e na comunhão dos mundos só as naus estão ausentes. Portugal e o mar ali estavam , marcando presença perante uma população que, a pouco e pouco, tomou a cor da mestiçagem de sangue e vivência, deixando perplexo, quem se interrogasse, de que raça se iriam enaltecer as virtudes naquele dia!

A praça fora enchendo. As cadeiras da tribuna tinham sido ocupadas e um general, em voz monocórdica e enrouquecida, lia o discurso onde salientava que quinhentos anos de esforço, e querer, uniam o herói que, ali imortalizado em pedra, olhava absorto o oceano sem fim, aos heróis de hoje que, frente á tribuna, aguardavam o agradecimento da Pátria reconhecida.

Perfilado, com a dignidade de um bem-nascido, altivo no camuflado verde, o Chissoia aguardou o chamamento e a leitura do louvor em que era descrito o seu acto de bravura. Subiu os degraus da tribuna e, como se fosse talhado em ébano, sem mover um músculo, abriu o peito largo onde o general, quase em bicos dos pés, lhe colocou uma cruz de guerra, dizendo-lhe em voz baixa que Portugal sentia orgulho por ter filhos como ele. Regressou ao lugar na fila dos heróis e, erecto, assistiu ao desfile de estandartes dos batalhões espalhados pelos confins do território, à passagem do corpo de fuzileiros, do regimento de comandos, dos flechas e dos leões de Cabinda, que em marcha acelerada entoavam canções guerreiras. A cavalaria fechou o desfile a galope curto, com garbo e tradição.

Era impressionante a portugalidade que se respirava e as gentes, de todas as cores, que tinham emoldurado a praça, ao dispersarem derramavam na cidade a confiança inabalável no Portugal granítico e multirracial que, naquela manhã, tinha estado presente naquele largo, frente ao porto.

Quando conheci o Chissoia era ele já um veterano de guerra, não que fosse velho, pelo contrário, apenas começara cedo e aprendera depressa. Parece que desde pequeno acompanhava o pai como pisteiro de elefantes. O Lucusse, onde nascera, era uma zona de passagem dos paquidermes que, nos seus itinerários até ao rio Lungué-bungo, muitas vezes destruíam o trabalho de meses no arranjo das lavras. Entre os animais e os aldeões travava-se uma luta pela sobrevivência, em que nem sempre eram os humanos os vencedores. Era assim natural que os caçadores , convidados pelo governador do distrito ou pelos homens importantes da província, fossem vistos com agrado pelas populações, pois além de abaterem alguns animais, afugentando por algum tempo as manadas, deixavam toneladas de carne que, mesmo dura e fibrosa, o soba e o velho Chissoia ficavam encarregados de distribuir. Aos brancos só os dentes interessavam, e o velho pisteiro aguardava que os crânios enterrados apodrecessem para lhes retirar as presas que, numa próxima visita, entregava já limpas de medula.

Foi nessa época que os Chissoias, pai e filho, se tornaram amigos de gente importante. O profundo conhecimento das matas e a perícia em seguir e interpretar trilhos como quem lê um livro, aliados à camaradagem que a aventura comum proporciona, permitiu-lhes sentarem-se, conversar e comer lado a lado com os grandes da terra que, amiúde, os presenteavam como prova de reconhecimento. O prestígio do velho Chissoia era grande perante as populações, não só dos povoados próximos, como de toda a região.

Corriam tranquílos os primeiros anos da década de sessenta. A luta que se ateara no norte do território não tinha chegado ainda às planícies sem fim do leste. As matas eram seguras e, logo pela manhã, as mulheres seguiam em fila e sem receios, para as lavras onde recolhiam lenha e mandioca para o sustento da prole.

Uma madrugada apareceu no Lucusse um grupo de gente estranha à região. Vinha armada e queria falar com o soba. Depois de uma longa conversa, e perante a atitude de incompreensão e até de alguma hostilidade, o chefe do grupo resolveu utilizar um meio de persuasão mais eficaz e, perante a população aterrorizada, fuzilou o soba por ser um chefe corrupto e o velho Chissoia por ser lacaio dos colonialistas. O filho fugiu para a mata e, passados dias, chegou à capital do distrito, onde contou o sucedido. Acompanhou depois a força militar que foi enviada para a zona e seguiu, até ao fim, a pista de rastos humanos como o pai lhe ensinara a seguir a dos elefentes.

A partir dessa época ficou ligado ao destacamento militar que foi aquartelado na povoação. O seu conselho e actuação foram sendo cada vez mais imprescindíveis, acabando por ser integrado nas forças irregulares, chefiando um grupo de homens escolhidos por si e com relativa autonomia.

Quando a luta de defesa do território foi alargada ao leste para suster a tentativa do inimigo de alcançar o planalto central por essa via, a táctica das nossas forças teve que se adaptar ao terreno plano e com grandes extensões pouco povoadas. A Força Aérea iniciou então uma colaboração íntima nas operações terrestres, proporcionando uma maior mobilidade através de helicópteros e aviões ligeiros. Foi nessa época que conheci o Chissoia, e muitas horas passadas em amena conversa, junto das fogueiras que aqueciam as noites frias das savanas de leste, caldearam a amizade e a admiração que desde então sentia por ele.

Uma tarde, quando o crepúsculo já anunciava a noite que cairia breve, perto do lago Dilolo, quando o seu grupo dava protecção a um movimento das nossas tropas, houve uma emboscada e dois soldados feridos jaziam no chão dentro do campo de tiro do inimigo, que continuava a alvejá-los. Passado o primeiro momento de surpresa, o Chissoia levantou-se e, a descoberto, com a arma ao quadril, fazendo fogo para se proteger, foi buscar um e, depois, o outro, arrastando-os para lugar mais seguro.

Foi por esse acto de bravura que o Chissoia esteve presente naquele dez de Junho, em que o general se esticou para lhe pendurar a condecoração na farda honrada e que, passados tantos anos, algures num recanto de Portugal, dois homens de meia idade podem recordar, em reuniões de família, como uma vez, quando estavam no Ultramar, um preto lhes salvou a vida.

O ano de setenta e quatro decorreu convulso! A esperança inicial, transmitida pelos novos políticos no poder, em vez de tranquilizadora e bem colocada, parecendo ter a percepção da complexidade dos problemas a enfentar, fora substituída por dúvidas cada vez mais angustiantes. As cidades tinham acolhido com palmas os guerrilheiros vindos das matas, aplaudindo-os como actores inesperados, num final de acto antecipado e improvisado, mas antes do fim do ano muitas das mais importantes povoações eram já palco de lutas entre os diversos movimentos , com recurso a armas pesadas, que destruiam tudo o que fora construído com sacrifício e amor.

As Forças Armadas portuguesas, desviadas dos seus objectivos e da sua missão, assistiam a tudo como espectadoras, ocupando, salvo raras excepções, um lugar pouco digno.

A partir do meio do ano setenta e quatro, começaram a chegar a Lisboa os soldados do fim da era imperial. Traziam estampada no rosto, na farda e na mente, a parte negativa da revolução.

A população civil começara há muito a sair face à insegurança em que se passou a viver , e muitos de nós, militares, habitávamos as casas vazias onde tínhamos vivido com as famílias, aguardando o fim da missão.

Uma noite ouvi um bater tímido de palmas no quintal da casa que ainda ocupava. Quando abri a porta, o Chissoia e a família estavam à minha frente.

"Preciso de ajuda!" atirou, quase envergonhado.

"Entrem e sentem-se por aí", disse, apontando os caixotes onde embalava o que queria levar de regresso a Lisboa. "Cadeiras já não há!", conclui.

A mulher e os filhos acocoraram-se, silenciosos, junto à parede da sala. Eu e ele sentámo-nos frente as frente, como sempre tínhamos feito, cada um em seu caixote.

"Estamos abandonados!", começou "Três dos meus homens foram detidos por um dos movimentos de libertação, e foram mortos..."


"Não pode ser", interrompi "Vocês terão que ser protegidos nos acordos que se fizeram" afirmei, procurando eu próprio dar convicção ao que dizia. 


"As patrulhas deles procuram-nos sem que alguém nos dê protecção!..."

"Isso não faz sentido! A responsabilidade aqui ainda é nossa... o comandante do batalhão é a autoridade!", exclamei indignado. 

"Fui ao comando militar hoje à tarde. Um tenente de barbas, que parece ter chegado há pouco tempo, disse-me uma coisa que me deixou sem dúvidas..."

"O que foi?", perguntei. 

"Quando soube o meu nome, perguntou o que é que eu esperava que acontecesse aos lacaios e traidores do povo...". As lágrimas dançavam-lhe nos olhos sem cair, como se a raiva e o orgulho as segurassem. "Isso foi o que disseram ao meu pai em Lucusse antes de o fuzilarem...", e num desabafo murmurou "Só que esses eram negros... um tenente branco não me pode dizer isso... porque aqui o traidor é ele... eu fui condecorado, o general disse-me que tinha orgulho de mim, de um português como eu... quando esse homem souber o que me disseram..."

Olhei-o cheio de amargura, sem ter a coragem de lhe dizer que esse general assumira agora outras funções e que ele, Chissoia, era uma ligeira sombra na sua memória, nas suas preocupações... talvez na sua consciência. 

Desceu sobre nós um silêncio pesado e trágico. Olhávamo-nos mudos. Os caixotes em que nos sentávamos e a casa vazia que nos albergava pareciam ser tudo o que restava do mundo em que até aí tinhamos vivido. 

Subitamente, a filha mais nova, com os cinco anos a reluzirem-lhe na face risonha, levantou-se e, sem quebrar o silêncio, foi apanhar do chão uma boneca de cabelos loiros que uma das minhas filhas tinha deixado para ser enviada nos caixotes. Voltou a acocorar-se junto à mãe com a boneca nos braços, cantando-lhe baixinho uma canção de embalar, que certamente aprendera com as mães negras do bairro onde vivia. 

A pouco e pouco a força telúrica da melodia, quase murmurada, foi aquecendo o silêncio, enchendo-o da energia profunda da África eterna, renascida das cinzas, verdejante depois das queimadas. A alma foi-se-nos erguendo como se a canção fosse um hino que nos devolvia o ânimo e, em silêncio, ambos procurávamos já a solução que todos os problemas têm. 

"Eu posso arranjar passagens para Luanda no avião de amanhã" alvitrei, buscando saída. 

"Luanda não é o meu povo. Só lá fui uma vez..." referia-se à data da condecoração "Lá ficamos ainda mais desprotegidos"

"Posso tentar que vão para Portugal, mas, pelo que sei, não vai ser fácil nem rápido", disse, recordando as notícias que nos chegavam pelas tripulações. 

"O mais dificil é sair daqui com a família. Com eles não consigo passar sem ser visto"

"Mas sair para onde?", perguntei, sem vislumbrar a solução. 

"Tenho gente na mata, que me mandou recado. Há movimentos que não se importam de nos aceitar. Precisam de homens com experiência para as guerras que vão chegar."

"Que posso fazer?", interroguei com desalento, pensando no papel que teríamos ainda que representar na tragédia que se vislumbrava já no horizonte. 

"Aquela pista que uma vez abrimos para utilizar só em operações especiais, continua boa e abandonada...", sugeriu a medo, consciente do que pedia "Podemos ser postos lá?..."

Eu tinha presente a localização da pista. Fora aberta na orla de uma mata, longe de povoações, apenas para ser utilizada em operações que se desenrolassem perto da fronteira. 

"Já mandei os meus homens sair da cidade, só ficaram duas mulheres, eu e a minha família; se nos puder ajudar..."

Sabia o risco que corria ao dizer-lhe que sim. A zona já fora evacuada pela nossa tropa e, ainda que isolada, poderia andar perto algum grupo que não hesitaria em abrir fogo se nos visse aterrar. 

Pela minha memória passou aquela madrugada em que tinham chegado ao acampamento os dois soldados feridos, mas salvos pelo Chissoia. 

O Portugal que eu era devia um sacrifício, um acto de gratidão, ao Portugal que ele, Chissoia, deixara já de ser. 

Dormiram essa noite na minha casa depois de ter ido buscar, furtivamente, as duas mulheres e mais duas crianças, evitando as patrulhas que circulavam pelas ruas desertas da cidade. De manhã, muito cedo, meti-os no jeep que ainda me estava distribuído, e dirigi-me à base onde tinha o avião para regressar a Luanda logo que a minha missão ali estivesse cumprida. 

Desloquei e tomei o rumo da pista que nos aguardava na mata. Daí ao Lucusse seriam uns dias de caminho árduo, mas era preferível percorrê-lo a serem abatidos como traidores. 

A faixa deserta estava mergulhada no silêncio hostil das coisas abandonadas. Tudo estava agora vazio, dominado pela mata que parecia querer recuperar para si a pista, como cicatrizando uma ferida aberta. Aterrei e, para não parar o motor, mantinha-o a baixas rotações. O hélice provocava um som triste de chicotadas que, repercutindo-se de árvora em árvore, ia morrer nos confins da floresta. 

O Chissoia ajudou a família a descer rapidamente do avião, conhecendo perfeitamente o perigo que todos corríamos se, por acaso, um grupo dos novos senhores da guerra nos surpreendesse. Ao sair colocou-me, num gesto mudo, a mão sobre o ombro, dizendo assim tudo o que nem eu nem ele tínhamos coragem para dizer. Depois, caminhou apressado à frente do seu pessoal em direcção à mata. As mulheres e os filhos seguiam-no em fila indiana. Não teve mais um olhar, mantinha o porte altivo e digno que sempre lhe conheci. Um a um, vi-os desaparecer entre as árvores, como se a floresta os engulisse. Só a mais pequena, a última da fila, se deteve um instante e, voltando-se, com a boneca de cabelos loiros na mão, fez-me adeus e sorriu, num gesto puro de quem não sabe que se despede para sempre. 

Fiquei a olhar o sítio onde desapareceram, aguentando a solidão imensa que me gelava a alma. Quantas traições, quantos abandonos e deslealdades serão necessários para erguer e desfazer um Império? Em quantas praias desertas teremos deixado companheiros? Em quantas matas teremos abandonado gente que em nós confiou? Quantas vezes desertámos das responsabilidades que assumimos? Quantas vezes traímos? 

Descolei e, já no ar, dei por mim a pedir a Deus protecção para o camarada perdido. 

No dia seguinte, o mecânico que passou inspecção ao avião, entregou-me uma medalha de Cruz de Guerra que encontrou caída no chão, junto ao banco em que o Chissoia se sentara.

terça-feira, 22 de maio de 2012

Com a devida vénia, transcreve-se do jornal "O PÚBLICO" (Ed. 20OUT11), o seguinte artigo da autoria de PEDRO LOMBA




Assuntos temporários

Uma geração traída

O meu pai nasceu no dia 18 de Outubro de 1941. Acaba de fazer 70 anos, mais dez do que Cícero tinha quando escreveu De Senectute. Quando penso na geração dele e na idade dele, ocorre-me que não houve nada no século XX português que eles não tivessem visto. A geração do meu pai passou por tudo na rotina frenética destes 70 anos. Foi uma geração imensamente disponível, batalhadora, dividida, na ditadura e na democracia, na guerra e na paz, e hoje talvez continue a ser isso tudo, só que com mais amargura e desencanto.

Quando o meu pai nasceu em 1941, a Europa tinha mergulhado numa guerra planetária a que um Salazar de manhosa filigrana nos poupou. Por isso, e pela idade, talvez não se tenha dado conta lá na província minhota que, quatro anos depois, a contenda diabólica tinha acabado. Mas lembra-se certamente que na mesma província as famílias aprendiam cedo o racionamento. A Europa estava em guerra, o Minho também estava em guerra. Famílias grandes, gigantescas em comparação com um país onde em cada ano já são mais os mortos do que os nascidos, não tinham como educar os filhos senão à custa de sorte e improvisação.

O meu pai, na medida do possível, teve sorte. No Portugal dos anos 40 e 50 era preciso ter padrinhos mais abonados para estudar. Inteligente, bom aluno, foi o primeiro da sua família a pôr os pés na faculdade, porque o Estado Novo, embora expusesse a maioria ao analfabetismo, nunca fechou as portas do ensino aos mais capazes. Mas esse não era ainda o tempo das licenciaturas ao domingo, do fim do serviço militar e dos direitos humanos. Quando em 1961 Salazar exclamou Para Angola rapidamente e em força, o meu pai tinha 20 anos e foi.

A geração do meu pai foi a geração da guerra de África. Pessoas como o meu pai, provincianos, rurais, nada sabiam da política, não pensavam no Portugal multicontinental do regime. Mas estiveram disponíveis quando foram chamados para as comissões africanas, porque acreditavam em velharias como o dever e a sobrevivência. Fiéis ao passado, podem ter aprovado a Europa por estarem convencidos de que viveríamos melhor, mas nunca se tornaram europeístas parolos e deslumbrados.

Como quase toda a gente, a geração do meu pai fez a transição do campo para a cidade, a primeira geração a ocupar os subúrbios das cidades onde as casas eram comportáveis para quem ganhava a vida no Estado e que, entretanto, se encheram de comboios populosos e de adolescentes cuja única cultura é a que aprendem na televisão do big brother. A geração do meu pai resiste aos telemóveis e olha para a Internet com desconfiança. A geração do meu pai nunca comprou casa porque nunca teve dinheiro para isso, mas pode gabar-se de não ter contraído dívidas mastodônticas para os seus filhos e netos.

A geração do meu pai foi a geração que conheceu a fundo o provérbio chinês: não serás homem enquanto não conheceres a pobreza, o amor e a guerra. Uma geração que ainda encarou os filhos como filhos, não como “amigos”, mantendo uma distância emocional que não conseguiu vencer. Uma geração que nunca foi a mais qualificada de sempre, que não fez carreiras em partidos políticos, que não teve “mundo”, mas nunca perdeu o sentido das proporções. Uma geração sequestrada pelos grandes debates ideológicos do século. Esta foi a geração sem a qual não teria existido a democracia, uns porque lutaram por ela, outros porque não foram a bússola de ordem e conservadorismo sem os quais nenhuma democracia prospera.

Pessoas como o meu pai tiveram “convicções”. Tiveram acima de tudo bom senso. Tiveram acima de tudo vergonha. Conservadores nos costumes e crentes de que o Estado deve ajudar os mais desfavorecidos, foram eles os “pais” do serviço. nacional de saúde. Hoje, contemplam com estranheza um mundo de patos-bravos e oportunistas sanguessugas. Mereciam mais das instituições que serviram. Mereciam melhor que um país de Armandos Varas e Dias Loureiros. Mereciam melhor do que um país falido.
(Com agradecimento ao António de Araújo pela inspiração) Jurista

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Enviado, via correio electrónico, por DR JORGE PORTO (Ex-Alferes Miliciano de Artilharia)


Há muita acção no homem que sonha, e muito sonho no homem de acção
(Drieu La Rochelle)

Com um nó na garganta tenho vindo a ler o excelente blogue do DFE4 e a reviver esse tempo passado na Guiné entre Novembro de 1973 e Julho 1974. 


Estes testemunhos, em que se vê a nossa juventude viver, elevar-se, dar um passo, mais outro ainda, sofrer para saber morrer..., deixará, porventura, um sopro frio no coração de quem os ler, que fará, talvez, a si próprio a pergunta:
para quê esses sacrifícios inúteis?


Nada é inútil. E é preciso, para que um país seja respeitado, que possua homens desta têmpera prontos a dar tudo de si. 
Quando se teve o privilégio de viver com tais homens, tem-se a impressão de que estão sempre presentes a nosso lado e perguntamos: porque lutavam e qual a força que os animava?

Obrigado, caro Comandante Jesus por estar a juntar todos estes testemunhos e por exprimi-los com tanta precisão e tanto calor.

“O barulho dos botes faz-se finalmente ouvir. Discretamente, saio de entre a vegetação onde me ocultara. Pedro Menezes, com um sorriso e ar descontraído, saúda-me. Logo após, Cufar fica pra trás e rumamos ao Chugué. À nossa passagem, crocodilos deslizam silenciosamente das margens e a passarada espanta-se. O ar húmido e sufocante e o cheiro agridoce do mangal pressagiam a minha litania em finais de Março 1974, aquando do ataque do PAIGC, com viaturas blindadas, à guarnição de Bedanda”

Jorge Porto - Alferes Miliciano de Artilharia (17º PELART Chugué / Bedanda)

domingo, 20 de maio de 2012

Dia da Marinha em Almada - 2012


Parada Militar - Demonstração de Capacidades
Cacilhas - 20 de Maio de 2012



(Filme produzido pela Camara Municipal de Almada)